quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008 Literatura, Gênero e Escritoras Em São Luís, Maranhão Renato

Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder
Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008
Literatura, Gênero e Escritoras Em São Luís, Maranhão
Renato Kerly Marques Silva - UFMA
Relações de Gênero; Academia Maranhense de Letras; Escritoras Maranhenses
ST 66 - Construindo novas relações de gênero: a presença feminina nos territórios do saber

Introdução
Como nos lembra Santos está na tradição da Sociologia preocupar-se com a questão social, com as desigualdades sociais, com a ordem/desordem autoritária e a opressão social que parecem ir de par com o desenvolvimento capitalista (2000, p. 17).
Essa descrição genérica com que Santos descreve os temas onde se concentram a maioria
das pesquisas da Sociologia (desde o período de estabelecimento quanto ciência, ainda no século XIX) foram ampliados de forma bastante significativa ao longo do século XX. Dentre os vários movimentos sociais que marcaram o século passado o movimento feminista e a crítica desenvolvida por algumas de suas representantes funcionaram como um ponto importante para a observação de que muitos dos conhecimentos até hoje produzidos desconsideravam os sujeitos que estavam inscritos nas posições/categorias de mulheres. A Literatura produzida por mulheres, ao longo dos tempos, pode ser incluída com um dos temas silenciados pelo trabalho científico produzido por homens, sobretudo, nas pesquisas relacionadas à Crítica Literária. Quando aparece nos registros históricos (Cânones Literários, essencialmente) as obras literárias produzidas por mulheres são citadas como obras de menor qualidade. Segundo Schwantes
(2006):
Os estudos de Gênero [partiram] de uma ampla operação de revisão do Cânone
Literário, na tentativa de demonstrar que as escritoras mulheres são, a longo prazo,
defenestradas do Cânone. Não necessariamente porque suas obras não tenham
qualidade, mas porque, para tornarem-se capazes de expressar uma experiência
especificamente feminina, recusada no contexto de uma instituição literária
falologocêntrica, elas precisam, de alguma forma, trair e subverter os pressupostos
que aparentemente, abraçam. Dessa forma, o que pareceu falha [nessa literatura] é
exatamente o que o que lhe confere especificidade.
No Brasil, esforço de questionar os motivos dessa (des)valorização da literatura produzida por mulheres já contabiliza trabalhos de diferentes pesquisadoras(es), juntamente com o movimento de crítica ao Cânone Literário tem ocorrido uma ação de resgate da literatura produzida por 2 mulheres em diversas localidades do Brasil, realizada por pesquisadoras como Elódia Xavier (UFRJ), Luiza Lobo (UFRJ), Norma Telles (PUC/SP), Zahide Lupinacci (UFSC), entre outras.
Seguindo por um caminho um pouco diferente das linhas de pesquisas que acabei de citar, neste trabalho, discuto sobre a participação de mulheres na Academia Maranhense de Letras (AML). A partir da dos discursos de posse e recepção das escritoras que participam dessa instituição observo alguns pontos referentes à construção e elaboração de uma imagem da escritora e do escritor maranhense.
A intenção de questionar esse tema, transformando-o em objeto sociológico, não vem dos reflexos da insatisfação popular que orientam muitos dos trabalhos desta disciplina. Pelo contrário, como muitos trabalhos que discutem sobre as relações de gênero, este é influenciado pelo silêncio que parece encobrir muitas das temáticas referentes à participação e também à atuação de mulheres em diversos territórios do saber.
São Luís e a Literatura Alguns historiadores costumam falar de uma grande relação entre a história da cidade de São Luís e a Literatura (MEIRELES, 2001; LACROIX, 2002), tal relação foi construída principalmente a partir do século XIX. Nesse período, ainda durante o Império, a então, Província do Maranhão conheceu uma das suas melhores fases econômicas e culturais, especialmente no período conhecido como ciclo do algodão, mercadoria produzida em grande quantidade e exportada em sua quase totalidade para a Europa.
... o enriquecimento particular permitiu aos grandes senhores do maranhão, desde o
último quartel do século XVIII, o luxo de mandar seus filhos [...] a estudar na
Europa [...] isto criou um campo propício ao surgimento de um núcleo intelectual
bem ao gosto e feitio do romantismo literário (MEIRELES, 2001, p.266-267).
No período compreendido entre 1832 e 1868, portanto, pouco depois da Independência do
Brasil, essa aproximação com a cultura européia fomentou o início de uma produção literária extremamente relacionada às primeiras fases do romantismo literário europeu.
Nesse momento, São Luís conheceu o que é hoje chamado de Grupo Maranhense, grupo de
autores que escreviam em estilo romântico e que tiveram destaque nacionalmente. Composto por várias personalidades das letras maranhenses, dentre as quais se destacaram nomes como Gonçalves Dias, Odorico Mendes, Sotero dos Reis, Sousândrade, dentre outros, que em função do reconhecimento de suas obras, ajudaram a “forjar” o título de Atenas Maranhense, para a capital da Província do Maranhão. O destaque alcançado pela produção literária do século XIX gerou uma relação muito
próxima da elite econômica maranhense com a literatura, jornais literários eram publicados, saraus
eram organizados, grupos de discussão e leitura de obras reuniam-se com freqüência na cidade.
É no inicio do século XX que será fundada a Academia Maranhense de Letras - AML,
seguindo os moldes da Academie Française, essa Instituição propunha-se a, fomentar “o desenvolvimento da cultura, a defesa das tradições literárias do Maranhão e o intercâmbio com os centros de atividades culturais do Brasil e do estrangeiro” (DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO, em 27.nov.1979, p.3).
Fundada em 10 de agosto de 1908, a AML funcionou sem uma sede fixa até meados de
1950, desde então, sua sede localiza-se na Rua do Sol (na antiga sede da Biblioteca Pública de São Luís), proxímo ao largo do Carmo, e ao Tetro Arthur Azevedo, no centro de São Luís.
Um ponto importante a ser destacado entre seus membros é a grande participação de
políticos, cuja maiora, ainda hoje, teve uma formação nas áreas da medicina e do direito. Fato que vem sendo sutilmente modificado com a entrada de alguns(mas) professores(as) universitários .
Escritoras e acesso à AML O acesso de novos membros à AML dá-se através de processo de candidatura e eleição para um vaga que possa surgir mediante a morte de um antigo membro. Com exceção dos doze fundadores da Academia, os demais membros que ocupam/ocuparam uma das quarenta cadeiras da instituição (um total de mais de cem “ilustres” maranhenses) foram indicados ou convidados a se inscreverem para as vagas deixadas por membros falecidos.
Considerando a AML como um local do estabelecimento de relações desiguais de poder.
Procuro, perceber até que ponto diferenças de posições e status nas relações de gênero tem influenciado nas relações entre os imortais e a escolha dos novos representantes para participarem dessa instituição, já que até hoje, apenas sete mulheres maranhenses receberam tal título, frente aos mais de 96
3
membros homens que o receberam.
As mulheres que foram eleitas membros da AML, por ordem de entrada para a Academia
foram: Laura Rosa, Conceição Neves Aboud, Dagmar Desterro, Lucy Teixeira, Laura Amélia Damous, Ceres Fernandes e Sônia Almeida.
A participação de homens e de algumas mulheres em uma instituição como a AML parece
exigir como um pré-requisito o conhecimento e o domínio de um meio de expressão, o literário, e muito mais do que isso, consiste no reconhecimento do valor estético dessas obras pelos membros que participam da Academia e se denominam como guardiões da língua que utilizam.
No entanto, diversas questões associadas às características aparentemente subjetivas da produção e recepção literária, podem ser relacionadas ao acesso de escritores à AML, dentre elas relações políticas, econômicas, de escolaridade, de raça, e, além disso, de gênero. Tal fato pode ser observado em traços comuns nas falas de seus membros, como no caso de Dagmar Desterro, terceira mulher a ser aceita como imortal da AML...
Estava no hospital, quando um grupo de acadêmicos foi comunicar-me que havia
sido escolhida para preencher a vaga do cônego Dourado [...] no próprio hospital
comecei a escrever meu discurso de posse. E, escolhi o Mário Meireles para me
receber [...] Fui acadêmica porque me escolheram, isso escrevi no meu discurso:
não bati à porta para pedir para entrar, foram me buscar para que adentrasse ao
recinto da Academia .
Este trecho parece descrever em parte o tipo de relações que regulamentam o
funcionamento da AML, sobretudo, relações construídas a partir de relacionamentos pessoais, onde fatores como amizades podem favorecer, em determinados momentos, a ascensão de um escritor ao título de imortal.
A solenidade de posse A Solenidade de posse de um membro da Academia Maranhense de Letras é um ato público aberto à sociedade em geral, até onde constam nos registros da AML e na memória de alguns interlocutores entrevistados o protocolo de tal solenidade compõem-se de duas partes essenciais.
A primeira parte, diz respeito ao discurso feito pelo novo membro da instituição, nesse discurso, o novo imortal apresenta um pequeno texto onde exalta a vida e a obra dos escritores que o precederam na cadeira que a partir desse dia ele/ela irá ocupar. Além disso, o novo acadêmico relata quão lisonjeado encontra-se em ter sido convidado para participar da eleição e agradece por ter sido aceito como membro da agremiação.
Na segunda parte, um antigo membro da academia, geralmente, o que tem relações mais
próximas com o recém eleito, realiza um discurso onde fala da “grandeza” de ser condecorado com o título de imortal e apresenta alguns trechos da produção do novo membro os quais ilustram a
qualidade de sua produção literária.
A seguir cito alguns trechos de dois discursos proferidos em Solenidades de Posse da
Academia Maranhense de Letras, o primeiro é o discurso de posse de Laura Rosa realizado por no dia 17.04.1943 e o segundo é o discurso de recepção proferido por Américo Azevedo Neto, na posse de Laura Amélia Damous em 14.03.2003.
No primeiro discurso, destaco um ponto que parece comum na posse de membros homens
e/ou mulheres, a referência a algum amigo mais próximo, o qual parece ser responsável pela
indicação do membro para concorrer à vaga da Academia. 5
Manda a justiça que vos diga, em primeiro lugar, que me trouxeram para esta casa
de sábios ilustres as mãos amigas de Corrêa de Araújo e Nascimento de Moraes
com a benevolência de seus pares. Trouxeram-me, porque, de mim mesma, nunca
imaginei suficientes os meus versos, para merecimento de tão honrosas credenciais
(Revista da AML, 1998, p. 13).
A humildade com que a escritora se apresenta frente aos seus atuais confrades prolonga-se por algumas frases reforçando a valorização dos membros mais antigos e ao mesmo tempo, sutilmente reconhecendo o valor de suas poesias.
Eis-me, portanto, aqui, Senhores, a primeira mulher que aqui entra, porque assim o
quiseram os homens ilustrados desta agremiação, guardas fiéis de nossas tradições
literárias (Revista da AML, 1998, p. 15).
No segundo discurso, através de um conjunto de oposições e comparações, o escritor que recepciona o novo membro, o remete a um ser complexo e completo, que segundo o acadêmico seriam qualidades do poeta.
Devo, portanto, receber o poeta e a poesia, o efeito e a causa, o sonho e o sexo, a
versão e o fato, o algoz e a vítima. Devo, enfim, receber a força vital que
arrepiando a vida, ocasiona a morte, e a morte que, vencendo a si própria, se
transforma em vida.
Devo, finalmente, receber o lógico paradoxo e o ordenado caos de que um poeta é
feito.
Devo receber o anjo andrógino que, auto-fecundado, pariu versos gerados por seu
próprio espírito, talvez não santo, mas seguramente, sensibilíssimo e sábio [...]
Começo por aquela que, com indiscutível raridade, faz confundir em si o poeta e a
musa, aquela que, mais que a maioria, é adubo e flor, raiz e rama, terra e safra
(AZEVEDO NETO, 2003, p. 30).
O imortal que recebe Laura Amélia retoma um ponto muito discutido a respeito da
produção literária: o sexo do escritor. Ao falar que o poeta é um anjo andrógino, auto fecundo, o autor sugere que a experiência pessoal e a vivência da nova imortal na situação de mulher, não é representável ou perceptível pela sua produção literária. Mesmo que no final do texto ele afirme que
a escritora consegue confundir em si o poeta e a musa.
Considerações Diante das análises iniciais, parece-me que, embora, a produção literária seja citada como um local de expressão dos sentimentos, da emoção que remeteria a um espaço feminino (segundo uma divisão arbitrária dos papéis sexuais/sociais) quando a produção literária designa status social,
ocorre um deslocamento entre a dicotomia emoção/razão onde às obras produzidas por homens cabe todo o destaque em detrimento das obras produzidas por mulheres. Diante desse fato, observo que fatores como as relações de poder e de gênero fazem com que muitas das escritoras maranhenses sejam desconhecidas, ou melhor, silenciadas. 6
A partir do momento em que as obras literárias produzidas deslocam-se da finalidade de distrair a mulher, e ganham dimensões públicas, ao representar uma sociedade, ou, ao ser instrumento de inculcação desta, a Literatura parece assumir posições importantes para reconhecer e legitimar idéias e práticas sociais. Nesse momento, o espaço de seus produtores passa a ser ocupado em sua grande maioria por homens.
O que me parece como a questão principal para a discussão da ausência de mulheres na
AML, situa-se na aparente, construção de redes de relacionamento entre os escritores, já que são esses mesmos escritores que definem as normas de acesso a Academia. E, neste caso, a norma de acesso aos meios de produção e de discussões literárias parece não propiciar muitos espaços para que as escritoras adentrem. Talvez por não considerar as singularidades de suas obras, ou por estas não estarem associadas a laços de parentesco ou afetivas, que aparecem nos elogios dos críticos literários às obras de alguns escritores maranhenses.
Referências
DAMOUS, Laura Amélia; AZEVEDO NETO, Américo. Na Casa de Antonio Lobo: discurso de
posse e recepção. Academia Maranhense de Letras. São Luís. 2003.
FACINA, Adriana. Literatura e Sociedade. Jorge Zahar Ed.: Rio de Janeiro, 2004.
FARIA, Regina; MONTENEGRO, Antonio (org). Memória de Professores: histórias da UFMA e
outras historias. São Luís/ Brasília:CNPq/UFMA, 2005.
LACROIX, Maria de Lourdes Lauande. A Fundação Francesa de São Luís e Seus Mitos. 2.ed.
Lithograf: São Luís, 2002.
Revista da Academia Maranhense de Letras. São Luís. Edições AML, Ano 80. Nº 20 –
dezembro de 1998.
MEIRELES, Mário M. História do Maranhão. 3.ed. Siciliano: São Paulo, 2001
MORAES, Jomar. Perfis acadêmicos. 2ª ed. São Luís: Edições AML, 1987.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 2000.
SCOTT, Joan W.. Gênero: uma Categoria útil para a análise histórica. Disponível em:
http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/generodh/gen_categoria.html, acessado em 07.11.2005.
SCHWANTES, Cíntia. Espelho de Vênus: questões da representação do feminino. Disponível em:
http://www.amulhernaliteratura.ufsc.br/artigo_cintia.htm acessado em: 20.06.2006.

1
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão.
2
Quando falo sobre Literatura utilizo o mesmo conceito discutido utilizado por FACINA: “campo das letras que conquistou certa autonomia e especialização no mundo contemporâneo, destacando-se do que se costumava chamar
belas letras e que incluía, além da poesia e do romance, a filosofia, a história, o ensaio político ou religioso”(FACINA, 2004, p. 07).
3
Fonte: Academia Maranhense de Letras — A.M.L., tópico do site WIKIPÉDIA,
http://pt.wikipedia.org/wiki/Academia_Maranhense_de_Letras, acessado em: 31.01.2007.
4
Este exceto foi retirado de uma entrevista dada por Dagmar Desterro à professora Regina Faria, do Departamento de
História da UFMA.

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