terça-feira, 10 de julho de 2012

O FANTÁSTICO E A LITERATURA: UMA PROPOSTA COMPARATIVA ENTRE O FANTÁSTICO, O ESTRANHO E O MARAVILHOSO NO CONTO DE LYGIA FAGUNDES TELLES, O “SEMINÁRIO D

O FANTÁSTICO E A
LITERATURA: UMA PROPOSTA COMPARATIVA ENTRE O FANTÁSTICO, O ESTRANHO E O
MARAVILHOSO NO CONTO DE LYGIA FAGUNDES TELLES, O “SEMINÁRIO DOS RATOS”.

Lila Léa Cardoso Chaves COSTA*
*
Aluna
do Mestrado em Letras com área de concentração em Estudos Literários na
Universidade Federal do Piauí – UFPI. Especialista em Literatura Brasileira e
Língua Portuguesa - UEMA. E-mail:
lilaleaccchaves@hotmail.कॉम


RESUMO
Tzvetan
Todorov (1975) procura elaborar uma estrutura formal para a literatura
fantástica, partindo do princípio de que toda obra literária se estrutura por
meio de um sistema onde os componentes são interdependentes. O fantástico
abrigaria a ambiguidade podendo se definir como um tipo de hesitação
experimentada por um ser natural diante de um acontecimento considerado sobrenatural.
Pretende-se a partir da teoria de Todorov realizar uma releitura de Lygia
Fagundes Teles (1998), “Seminário dos
Ratos”, analisando a construção de elementos do Fantástico, Estranho e o Maravilhoso,
havendo uma focalização nos papéis sociais dos personagens.

PALAVRAS-CHAVES:
Todorov. Lygia Fagundes Teles. Fantástico. Estranho. Maravilhoso.

O conto apresenta uma
narrativa em terceira pessoa, sugere uma possível alegoria à estruturas
político-burocráticas onde ratos temerosos invadem sorrateiramente e arrasam literalmente
uma casa recém restaurada longe da cidade, tornando-se palco da trama. Desenvolve-se
a partir de um evento denominado VII Seminário dos Roedores que acorrerá sob a
coordenação do Secretário do Bem-Estar Público e Privado, tendo como assessor o
Chefe de Relações Públicas, nesse ínterim, o país encontra-se atravancado pela
burocracia, invertendo-se a proporção dos roedores em relação ao número de
homens, o que causa descontentamento público.
Curiosamente o conto
surge no ano de 1977, época em que o Brasil se encontrava em um momento
histórico de repressão política e inúmeros problemas sociais, de uma maneira
velada ou não, se poderia fazer um elo comparativo entre a situação do país e a
representação dos espaços em que se passa o “Seminário dos Ratos”. Na narrativa,
a casa de campo torna-se o espaço onde o evento se realizará, sua localização está
longe de temidos inimigos indesejados, o que amplia o caos na cidade, principalmente
porque a casa possui todos os atrativos e regalias de um ambiente restaurado
para proporcionar lazer e descontração, acessíveis apenas a uma minoria, conta
com piscina de água quente, aeroporto para jatinhos, aparelhos eletrônicos de
comunicação e um batalhão de empregados dispostos a atender as expectativas dos
convidados.
A narrativa fantástica transcorre neste
cenário aparentemente insólito com protagonistas ambivalentes, onde os
acontecimentos e seus indícios nesta representação espacial transmitem uma
sensação ameaçadora.
Ao tentarmos fazer uma
definição do fantástico nos deparamos com um questionamento, como definir de
uma forma simples algo que engendra tantas proposições em nossa atualidade? Não
é uma tarefa tão fácil, ainda assim, tentaremos fazê-lo. Tzvetan Todorov, em Introdução à Literatura Fantástica,
procura elaborar uma estrutura formal para a literatura fantástica, partindo do
princípio de que a obra literária se estrutura por meio de um sistema cujos
componentes estão em relação de interdependência. O fantástico abriga
ambiguidade, hesitação, leis naturais, acontecimento aparentemente sobrenatural,
elemento relevante nas narrativas. O autor o define como aquilo que não cabe
dentro do natural, sendo inexplicável. Quando percebemos um acontecimento
dentro desses padrões, precisamos nos ater a um posicionamento e assumirmos uma
opinião que alcance, pelo menos, duas possibilidades, a primeira seria se o
acontecimento percebido é produto da imaginação e não existem possibilidades
reais para que ele ocorra, ou se o acontecimento é parte da realidade, mas de
uma realidade regida por diferentes regras das nossas.
É fantástico
imaginarmos situações assim, direcionar nossos pensamentos para fatos que não se
encaixam em simples explicações. No momento que classificamos tal conjuntura
estamos já adentrando em outro gênero explicado por Todorov, o estranho ou
maravilhoso. A tentativa de explorarmos esse gênero seria para aguçar e alcançar
um maior número de pesquisadores e leitores que estejam interessados em ampliar
seus horizontes de expectativas no universo ficcional fantástico.
O interesse em torno
das narrativas fantásticas cresce principalmente entre os jovens que se veem
atraídos às situações sobrenaturais, estranhas e maravilhosas seja por meio do
objeto literário, seja nas telas do cinema, em meio a conversas com amigos, em
ambientes virtuais, infelizmente na maioria das vezes o gênero não é analisado
em sua totalidade, avaliando todas as suas implicações estéticas, formais e ampliando
assim, as possibilidades de escrita, reescrita ou deleite. Embora esse não seja
o foco da discussão partiremos da prerrogativa de que o gênero fantástico é o
que mais tem atraído leitores, embora talvez não receba a atenção merecida,
enquanto meio de produção e sala de aula, tema que pode ser desenvolvido a
posteriori. Somente ampliamos nosso olhar na pós-graduação, ou numa situação
aparentemente incomum, que aguce nossa curiosidade. Vale frisar que o nosso
contato com o gênero vem desde a infância quando lemos histórias, ouvimos ou
assistimos episódios dentro dessas características.
Registramos a partir
dessa possibilidade factual a necessidade de uma linguagem que alcance novos
leitores e pesquisadores, sugerindo a possibilidade de ampliar em todas as
áreas o entendimento, a prática de pesquisa ou atividades pedagógicas,
reavaliando nossa função crítica de fomentadores de opiniões. Ampliar o caráter
crítico da literatura fantástica influenciando novas gerações de pesquisadores,
alargar a capacidade produtiva paralela à apreciação dos espaços ficcionais
fantásticos, talvez seja a nossa intrínseca intenção, além de retomar, em
especial, na leitura de Lygia Fagundes Teles, “Seminário dos Ratos”, o Fantástico,
o Estranho e o Maravilhoso.
Partindo dessa premissa
retomamos a discussão no sentido da definição do termo fantástico poderíamos
nos ater a várias conjecturas formais e conceituais de diferentes autores, mas
nos limitaremos a conduzir nossa conversa somente usando o referencial teórico
de Todorov, a fim de que não se desconstrua nossas abordagens quanto ao gênero.
Salientamos que a análise do conto pode e deve ser ampliado, visto sobre outros
enfoques e outros teóricos, entretanto precisamos estar aptos a relacionar as
demais pesquisas e a diversidade de possibilidades de análises com a base teórica
sugerida por Todorov, precursor desses estudos.
O fantástico se
configura por um tipo de hesitação experimentada por um ser que só conhece as
leis naturais em face de um acontecimento dado como sobrenatural e exige,
segundo Todorov, que três condições sejam preenchidas. Que o texto obrigue o
leitor a considerar o mundo das personagens como um mundo de pessoas vivas e a
hesitar entre uma explicação natural e uma explicação sobrenatural dos
acontecimentos evocados; Que a hesitação seja igualmente sentida por uma
personagem; desse modo, o papel do leitor é, por assim dizer, confiado a uma
personagem, no caso de uma leitura pueril, o leitor se identifica com a
personagem; Que seja adotada uma atitude com relação ao texto onde se recusará
tanto a interpretação alegórica quanto a interpretação “poética”.
No século XIX, por
exemplo, muitos teóricos formularam hipóteses diferenciadas para explicar o
fantástico, Vladimir Soloviov, filósofo e místico russo; Montague Rhodes James,
autor inglês, especializado em histórias de fantasmas; num âmbito recente
temos, Castex, Louis Vax, Roger Caillois, escritores franceses que não
contradizem (em sua totalidade) a abordagem de Todorov. Enfaticamente, os
autores delimitam o fantástico dentro do espaço do misterioso, inexplicável ou
inadmissível, dando foco a um mundo natural e outro sobrenatural onde a
hesitação e incerteza alcançam o seu limite. Todorov afirma que essa hesitação é
a primeira condição do fantástico, sendo facultativa a identificação (do
leitor) com o personagem que lhe causa hesitação,
[...]
no universo evocado pelo texto, produz-se um acontecimento – uma ação – que
depende do sobrenatural (ou do falso sobrenatural); por sua vez, este provoca
uma reação no leitor implícito (e geralmente no herói da história): é esta
reação que qualificamos de “hesitação”, e os textos que a fazem viver, de
fantásticos. (TODOROV, 2004, p.111)

Para que esta hesitação
ocorra o leitor deve considerar o mundo das personagens como um mundo de
criaturas vivas e hesitar entre uma explicação natural e uma explicação
sobrenatural, a hesitação deve ser confiada a uma personagem, tornar-se um
leitor implícito adotando uma atitude voltada à recusa tanto de uma leitura
alegórica quanto de uma leitura poética. O fantástico pode durar o tempo da
incerteza, pois se escolhermos uma resposta que nos faça sair da dúvida pode-se
adentrar em dois outros gêneros vizinhos, o estranho e o maravilhoso.
No estranho, os
acontecimentos podem ser explicados pelas leis da razão, tendo os fatos apenas
a aparência de serem sobrenaturais por seu caráter insólito. Vários fatores
podem atuar reduzindo o sobrenatural ao fornecer uma explicação aceitável,
sonho, loucura, alucinação, entre outros.
Nas obras que
pertencem a este gênero, relatam-se acontecimentos que podem perfeitamente ser
explicados pelas leis da razão, mas que são, de uma maneira ou de outra,
incríveis, extraordinários, chocantes, singulares, inquietantes, insólitos e
que, por esta razão, provocam na personagem e no leitor reação semelhante
àquela que os textos fantásticos nos tornaram familiar [...] O estranho
realiza, como se vê, uma das condições do fantástico: a descrição de certas
reações, em particular do medo; está ligado unicamente aos sentimentos dos
personagens e não a um acontecimento material que desafie a razão (o
maravilhoso, ao contrário, se caracterizará pela existência exclusiva de fatos
sobrenaturais, sem implicar a reação que provoquem nas personagens) (TODOROV,
1975, p. 53).

No maravilhoso o
sobrenatural é aceito, admitindo-se novas leis pelas quais o fenômeno pode ser
explicado. É o caso dos contos de fadas, em que encontramos animais conversando
e não estranhamos, pois compactuamos com o espaço representado do faz-de-conta.
A postura adotada pelo leitor é alegórica, os acontecimentos são vistos como a
representação simbólica do real.
Entre o estranho e o
maravilhoso, Todorov afirma haver subgêneros, fantástico-estranho e
fantástico-maravilhoso. O fantástico-estranho seria definido como narrativas em
que os acontecimentos parecem sobrenaturais ao longo de toda história, mas que,
no fim, receberiam uma explicação racional. No fantástico-maravilhoso, temos
narrativas em que o sobrenatural é aceito e, portanto, se aproximaria mais do
conceito de fantástico puro, pois os eventos permaneceriam sem uma explicação
racional.
Diante das explicações
acerca do fantástico, estranho e maravilhoso, percebe-se que nas produções de
Lygia Fagundes Teles existe um universo de possibilidades de análises do gênero
descrito por Todorov, pois a escritora adentra no ambiente fantástico de
maneira significativa, o espaço descrito é um dos elementos fundamentais na
construção de uma narrativa que envolva o estranho e o maravilhoso que
impulsiona o sentimento do medo e horror.

Nenhum comentário:

Postar um comentário